quinta-feira, 15 de maio de 2014

A credibilidade dos EUA, da OTAN e da UE depende do desfecho político da Ucrânia e da Líbia


buscado no Correio da Cidadania



por Achille Lollo, de Roma para o Correio da Cidadania    
Os principais cientistas políticos “independentes” admitem que no último semestre os fenômenos de crises políticas voltaram com extrema intensidade em alguns países do Oriente Médio (Afeganistão, Iraque, Palestina, Egito e Líbia), enquanto os processos de subversão política promovidos pela CIA na Síria e, mais recentemente, na Ucrânia, sofreram “o efeito bumerangue”. Cenários geoestratégicos onde os EUA envolveram a OTAN e a União Europeia em uma série de operações militares e subversivas, que, na realidade, provocaram mais instabilidade política, mais crises econômicas, mais conflitualidade étnica e mais insegurança em muitas regiões do planeta.
Agora, após o massacre dos 44 russófilos em Odessa e diante da explosão da crise em quase todas as regiões do Leste da Ucrânia, em função do referendo separatista que Obama e a Merkel dizem ser ilegítimo, por não atender aos requisitos legais do governo de Kiev, muitos analistas e cientistas políticos criticam a estratégia da Casa Branca, por ter aberto muitas frentes sem ter conseguido consolidar nenhuma delas em termos institucionais, políticos e, sobretudo, econômicos.

A democracia do “Não-Estado” na Líbia
O que está acontecendo na Ucrânia reabre o debate sobre a “libertação” da Líbia, que foi realizada com a força das armas por parte dos EUA e de outros países da OTAN. Uma complexa operação militar que provocou a destruição das principais infraestruturas, a implosão institucional e a paralisia econômica da Líbia. De fato, a introdução, por parte dos EUA, de um modelo institucional parlamentar ocidentalizado exigiu a imediata criação de uma ”República Parlamentarista”, que Mustafá Mohamed Abdul Al Jeleil, Mahmud Ibril e Ali Zeidan logo legitimaram no Conselho Nacional de Transição, inclusive para assinar os decretos leis com os quais, em 5 de maio de 2011, era privatizada em tempo recorde a empresa petrolífera estatal NOC, além de reformular em favor das transnacionais estadunidenses, francesas e britânicas a metodologia dos contratos para a exploração do petróleo e do gás.
Isso tudo aconteceu porque os referidos “líderes” conseguiram se apoderar da direção da oposição, em função da massiva difusão realizada na Líbia pelas TVs árabes Al Jazeera (de propriedade do emir do Qatar, inimigo histórico de Kadafi) e Al Arabya (cujos principais acionistas são a MBC libanesa e um príncipe saudita) e, sobretudo, em função da projeção política que as TVs ocidentais (CNN e BBC) veicularam apresentando os três como “...os líderes da Revolução líbia, fundadores Conselho Nacional de Transição, legitimados para negociar com o Ocidente o fim do regime de Kadafi...”.
Na realidade, esses “três líderes” eram os porta-vozes “em off” dos governos estrangeiros que queriam tirar proveito da passividade da Liga Árabe em função das revoltas populares na Tunísia e no Egito para promover algo semelhante na Líbia e, assim, acabar com Kadafi. De fato, o primeiro ainda é o representante “em off” do príncipe saudita Bandar bin Sultan, chefe dos serviços secretos da Arábia Saudita. O segundo, ainda é o “homem da Casa Branca” que foi assessorado pelo embaixador estadunidense, Chris Stevens, até 11 de setembro de 2012, altura em que foi morto por um grupo armado de Ansar Al-Sharia – o principal grupo salafista-jihadista líbio, financiado pelos agentes do emir do Qatar, Tamim bin Hamad Al Thani -, que atacou o consulado dos EUA em Benghazi. O terceiro, antes de fugir para a Suíça, era o homem de confiança do o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy.
Personagens que em 20 de fevereiro de 2011, logo após as primeiras manifestações em Túnis, jogaram um papel fundamental em Benghazi para mobilizar os grupos salafitas, a Irmandade Muçulmana e, sobretudo, os chefes tribais separatistas da Cirenaica, sentimentalmente ligados ao falecido Rei Idris, para realizar as primeiras manifestações em Benghazi pedindo a saída de Kadafi. Por isso, em 27 de fevereiro, a TV Al Jazeera anunciava que ”... Ali Zeidan, o representante na Europa do recém-formado Conselho Nacional de Transição, estava pedindo à União Europeia o impedimento dos massacres de civis por parte dos mercenários de Kadafi...”.
Enquanto a TV Al Jazeera e a CNN manipulavam as imagens das manifestações na Síria e no Egito com as da Líbia, os três, por baixo do pano, negociavam com os emissários dos EUA, da Grã Bretanha e da França a criação em Trípoli e em Benghazi de um cenário político devastador, necessário para convencer os membros do Conselho de Segurança da ONU em votar em regime de urgência, em 17 de março de 2011, a Resolução 1973, com a qual era autorizada a criação de uma zona de exclusão aérea (No Fly Zone) no norte da Líbia.
Na realidade, a rapidez com que se chegou a essa resolução serviu para enganar a Rússia e a China e, consequentemente, surpreender a Força Aérea e o sistema de radares do exército de Kadafi, que foram logo atacados já no dia 19 de março. Nessa data, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, autorizou o bombardeio aéreo da capital Trípoli, enquanto Barack Obama ordenava ao comandante da 6ª Frota realizar massivos bombardeios navais e aéreos, complementados com o lançamento de centenas de mísseis cruzeiro Tomahawk.
A seguir, diante da indefinição da comunidade internacional, o Secretário Geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, criou um corpo de armada para dar continuidade aos planos de invasão dos EUA e da França, utilizando, durante 86 dias, aviões, pilotos e as unidades especiais da Grã Bretanha, do Canadá, da Alemanha, da Itália e da Dinamarca. Oficialmente, a “guerra humanitária” da OTAN na Líbia acabou somente em 23 de novembro de 2011, após o fuzilamento de Kadafi em Sirte.
É preciso dizer que a República parlamentarista da Líbia, mesmo com a eleição de Ali Zeidan no cargo de primeiro-ministro, em 14 de outubro de 2012, nunca conseguiu ser um Estado. Pelo contrário, se tornou um “Não-Estado” fragmentado e dividido à causa dos conflitos que começaram, logo após a “libertação”, entre as diferentes personalidades do CNT e as correntes do mundo islâmico líbio.
Em segundo lugar, o Conselho Nacional de Transição perdeu logo credibilidade, por dedicar todas as energias da “Revolução” na destruição de tudo aquilo que lembrava a ordem institucional criada por Kadafi. Por exemplo, na primeira intervenção de Mahmud Ibril no Conselho Nacional de Transição, foi aprovada a lei que revogava as limitações à poligamia, reintroduzindo a legislação do Rei Idris, pela qual “...a mulher era um objeto de livre negociação...”.
A seguir, o CNT, no lugar de desmilitarizar as milícias – em sua maioria, infiltradas por elementos jihadistas, salafitas e, sobretudo, da Irmandade Muçulmana –, lhes  entregou a tarefa de garantir a ordem pública e, consequentemente, de realizar a “limpeza política” na administração pública e nas empresas estatais, expulsando ou prendendo quem havia apoiado Kadafi.
Uma tarefa que, a partir de 2012, com a introdução no ordenamento jurídico nacional da Sharia (lei islâmica), permitiu aos 487 chefes de grupos armados espalharem o terror em todo o país, exacerbando um clima de violência incomparável e sem fim, do momento que as milícias, em função do intenso tráfego de armas, dos financiamentos ocultos por parte de países estrangeiros e transnacionais, começaram a travar um combate sem tréguas pelo controle dos distritos onde havia instalações petrolíferas, as cidades portuárias, aldeias ou até bairros.
Uma situação política e militar que Barack Obama e o secretário-geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, evitam comentar, visto que a Líbia virou uma bomba-relógio, pronta a explodir, por causa do risco da bancarrota, das pressões étnicas, das exigências tribais que se fundiram à perfeição com as reivindicações separatistas da Cirenaica e de Fezzan.
Um contexto que, em abril de 2013, Hugues Mingarelli descreveu no Parlamento Europeu quando apresentou o “Relatório da Comissão AFET sobre a situação na Líbia” e que sintetizou afirmando: “...em 2011, os estrategistas do Pentágono, da CIA e da OTAN cometeram um erro ao querer, simplesmente, desconsiderar o cenário político que se havia formado na Líbia com a queda de Kadafi. Depois, esse erro, em 2012, se transformou em uma monstruosidade política de grandes e múltiplas proporções que dificilmente poderá ser consertado do momento em que, em 2013, as milícias movimentam mais de 130.000 homens perfeitamente armados, enquanto a produção petrolífera de 1.500.000 barris diários baixou para 100.000/250.000, com um prejuízo de cerca 10 bilhões de dólares por dia!”.
Um erro que a diplomacia estadunidense e a responsável pelas relações exteriores da União Europeia, Lady Ashton, conseguiram esconder desviando as atenções dos participantes na Conferência Internacional sobre a Líbia, realizada em Roma em 6 de março de 2014. Mesmo assim, a ministra das relações exteriores italiana, Federica Mogherini, apesar da puxada de orelha de Obama ao primeiro-ministro italiano Matteo Renzi, não conseguiu esquivar-se de dizer: “A Líbia, ainda, não é um Estado. Por isso qualquer problema é, sobretudo, político antes de ser técnico. Por isso, nenhuma ajuda, por mais eficaz que seja, poderá substituir o processo de transição política que deve ser concluído para permitir a construção do Estado. Porém, cabe aos líbios criar as necessárias condições políticas para que isso tudo se realize...”.
Uma situação que, no atual contexto geoestratégico regional, pode concorrer para desestruturar as frágeis relações políticas e institucionais que foram recriadas no Marrocos, no Egito, na Tunísia, no Níger, na Argélia, na Mauritânia e no Mali. Isto é, uma macrorregião que fornece aos países da União Europeia 40% do petróleo e 60% do gás, sem esquecer a produção de urânio e de fosfatos.

Iraque: a primeira grande derrota
Ao analisar as diferentes frentes militares, onde os pelotões de “marines” (fuzileiros) ainda patrulham as estradas em permanente estado de alerta, resulta que a paz, a democracia, a estabilidade, a segurança e o desenvolvimento são meros predicados da retórica de Barack Obama, Joe Biden e John Kerry.
Uma retórica que é verbalizada todas as vezes em que o Pentágono deve alcançar um objetivo geoestratégico e aliciar a participação de um ou demais aliados europeus. De fato, a invasão militar do Iraque demorou 10 anos. Mesmo assim, 35.000 soldados do exército dos EUA ainda permanecem no Iraque para “ajudar o exército iraquiano a combater o terrorismo”, enquanto mais de 50.000 civis, entre assessores, conselheiros, dirigentes de transnacionais e funcionários de ONGs,  foram mobilizados para “organizar a transição e a formação de um regime democrático” que, hoje, oscila entre o fantasmagórico e o ilusório.
Uma conclusão que se fundamenta avaliando a intensidade dos atentados terroristas realizados recentemente na capital Bagdá, a explosão da violência urbana, a existência de perversa corrupção, a ausência de infraestruturas socioeconômicas e, principalmente, a miséria que atinge grande parte da população urbana, em particular a da capital Bagdá.
Um país onde o governo do primeiro-ministro Nuri al-Maliki simboliza apenas as regras fixadas durante os anos da invasão e a incapacidade de acabar com a conflitualidade étnica e a intolerância religiosa, tanto que no norte os curdos pretendem transformar o Curdistão iraquiano em um Estado independente. No sul, os xiitas desejam a unificação com o Irã, enquanto, no centro do país, os grupos fundamentalistas sunitas, os jihadistas e as células da Al-Qaeda combatem para a instauração do chamado “Califado do Grande Oriente”. Um novo Estado que deveria se estender do centro do Iraque até o norte do Líbano, ocupando grande parte da Síria.
Portanto, os dois trilhões de dólares gastos em operações militares por George Bush e depois por Obama, para exportar a “democracia parlamentar ocidental no Iraque”, podiam ser utilizados em projetos mais úteis, como, por exemplo, a erradicação da fome no mundo ou a realização dos projetos contra a desertificação.
Afeganistão: outra guerra perdida
Para evitar a volta dos Taleban em Cabul, em 2001, foi criada a Força Internacional de Assistência para Segurança (ISAF), que com 110.000 soldados (67.000 dos EUA e 37.000 de Reino Unido, Canadá, Itália, França, Turquia, Alemanha e Polônia) invadiu o Afeganistão para instalar um “regime democrático”.
A invasão se transformou em ocupação permanente e ficou mais segura somente após o acordo com “os Senhores do Norte”, isto é, os donos das regiões onde é cultivada a papoula, cuja pasta opiácea é vendida aos narcotraficantes de heroína do mundo inteiro, ao longo das fronteiras, em virtude da cumplicidade do ISI (Serviço Secreto Militar) do Paquistão.
Segundo uma pesquisa da ONU realizada em 2013, os EUA teriam gasto em despesas militares no Afeganistão cerca de três trilhões de dólares. Mesmo assim, os Taleban permanecem em 65% do território afegão. Por isso, Barack Obama admitiu que, após a conclusão da missão do ISAF, em dezembro de 2014, haverá também a retirada dos soldados estadunidenses, excluindo os 15.000 homens das “tropas especiais”, que permanecerão no Afeganistão para monitorar o novo exército afegão (316.000 homens) “no combate aos terroristas”.
Todos sabem que as operações do ISAF e os projetos socioeconômicos realizados pela ONU não pacificaram o país. Por isso, a saída do contingente militar do ISAF deixará um importante vácuo político na estrutura étnico-tribal criada pelos conselheiros estadunidenses para manter na presidência Hamid Karzai. Nesse contexto, para o novo presidente que será escolhido com o voto do segundo turno em 7 de novembro, será muito difícil criar uma frente nacional capaz de dar continuidade ao modelo institucional imposto pelo exército dos EUA e, ao mesmo tempo, enfrentar militarmente os Taleban no interior do país, sem a cobertura militar dos 110.000 soldados do ISAF.
Nesse contexto, a decisão de Obama de deixar Hamid Karzai, Abdullah Abadani e Ashraf Ghani ao próprio destino é um evidente sinal de que os quase quinze anos de guerra não mudaram o cenário estratégico do Afeganistão, onde o problema central, tal como em 1996, é, por um lado, a presença dos Taleban nas regiões centrais e meridionais; e, por outro, o cultivo da papoula e a produção da pasta de ópio no norte do Afeganistão, além da impossibilidade das transnacionais de explorar os depósitos muito extensos de petróleo e gás, que, em 2007, foram avaliados entre 900 bilhões e três trilhões de dólares.

A guerra subversiva na Síria
O que está se passando na Síria ainda permite a Casa Branca dizer nos fóruns internacionais que os EUA não estão envolvidos na guerra civil síria, mas que se limitam a dar apoio aos “combatentes da liberdade contra o regime de Bashar Al-Assad”. De fato, o vice-almirante Bruce Clingan, comandante em chefe da 6ª Frota, ainda não recebeu a ordem para atacar os navios da marinha militar síria ou fustigar com foguetes os quartéis do exército de Bashar al-Assad.
Neste contexto, segundo os cientistas políticos, “na Síria o conflito ainda está na fase de guerra subversiva. Isto é, uma guerra civil primária, onde os serviços secretos das grandes potências atuam em incógnito, norteando a evolução dos combates, além de garantirem o reabastecimento das armas, administrarem a logística e gerenciarem o fluxo dos financiamentos ocultos. Uma guerra que aumenta ou diminui de intensidade conforme o nível de tensão nas relações diplomáticas e a necessidade de polarizar o cenário geoestratégico...”.
Uma guerra civil que, apesar das ameaças de Hillary Clinton em 2012 e depois de Barack Obama em 2013, não extrapolou a ponto de provocar a intervenção militar dos EUA ou dos exércitos da OTAN ou de Israel. É, sim, uma guerra civil, planejada para provocar, antes de tudo, a destruição econômica da Síria e a desestruturação do seu exército regular. Condições essenciais para impor na mesa de negociação da Conferência de Genebra-2 uma nova fórmula institucional, que visa afastar do poder os grupos políticos ligados a Bashar Al-Assad.
Porém, não obstante o apoio financeiro oferecido por Arábia Saudita, Qatar, Emirados Unidos e Omã, e apesar da cobertura logística garantida pela Turquia e a Jordânia, a guerra subversiva planejada pela CIA não logrou seu objetivo estratégico: desarticular o exército de Bashar Al-Assad que, após dois anos de combates, não se desintegrou. Pelo contrário, os últimos informes indicam que conseguiu reverter o contexto operativo e passar ao contra-ataque, ao ponto de reconquistar a cidade de Homs, considerada pelos rebeldes a “verdadeira capital da Síria”.

O efeito bumerangue na Ucrânia
Depois da dissolução da URSS e da desastrosa gestão política e econômica de Boris Yeltsin, na Federação Russa, em 1999, começou um novo ciclo político sob a liderança de Vladimir Putin e de Dimitri Medvedev, que previa salvaguardar as relações econômicas e geoestratégicas com os 11 países da CEI (Comunidade dos Estados Independentes). Uma decisão que visava impedir a expansão da OTAN no Leste europeu, realizada com as propostas de adesão à União Europeia.
Por isso todos os governos dos EUA – sejam eles republicanos ou democratas – autorizaram a CIA realizar campanhas de intoxicação midiática associadas a verdadeiras operações subversivas em tais países, conseguindo que, em 2005, primeiro o Turcomenistão e depois a Geórgia, em 2008, deixassem a CEI, rompendo assim com a Rússia.
Na Bielorrússia, mas sobretudo na Ucrânia já a partir de 1988, os EUA promoveram um processo de subversão pacífica através da formação do movimento não-violento “Pora” (Está na Hora), cujos líderes foram financiados e treinados por uma coalizão de peritos em sondagem de opinião ocidentais e consultores profissionais, financiados por uma união de agências governamentais e não-governamentais, que segundo o jornal britânico “The Guardian” juntavam o Departamento de Estado, a USAID, o Instituto Democrático Nacional, o Instituto Republicano Internacional, a Freedom House (Casa da Liberdade) e a Fundação Doação para a Democracia.
O primeiro resultado desse processo de “subversão não violenta” se deu em 2004, com a conhecida “Revolução Laranja” de Viktor Yanukovich e Yulia Timoshenko contra o presidente Leonid Kuchma.
Porém, depois da derrota que a CIA e os conselheiros militares da Casa Branca sofreram na Geórgia, em 2008, com a guerra na Ossétia do Sul, e o reconhecimento da independência da República Autônoma da Abecásia, a Casa Branca decidiu aprofundar o processo de desestabilização da Ucrânia sob a supervisão da embaixadora dos EUA na OTAN, Victoria Nuland. A mesma que depois, em 2013, apesar de ser ligada ao Partido Republicano, foi nomeada por Obama Vice-Secretária de Estado norte-americana para os Assuntos Europeus e enviada a Kiev com a função de monitorar o golpe “EuroMaidan”, contra o presidente pró-russo, Viktor Yanukovich.
Um cargo de máxima confiança do momento que, após o sucesso do presidente Putin na Conferência de Genebra sobre a Síria e nas negociações com o Irã, era de vital importância inviabilizar a consolidação da geoestratégica do governo russo na Europa do Leste, favorecendo a saída da Ucrânia da CEI e a consequente admissão na União Europeia. Algo que teria permitido à OTAN se apoderar da base naval de Sebastopol, na Criméia, além de passar a controlar os três grandes gasodutos a partir dos quais a Rússia exporta o gás para a Europa e “dulcis in fundo” a produção das 130 unidades da indústria militar Ukroboronprom, da Motor Stich, da Zorya Mashproekt e da Antonov Airlines. Estabelecimentos que asseguram o fornecimento de peças para 400 indústrias militares russas, além de garantirem a manutenção dos mísseis balísticos intercontinentais do tipo RS-20 e a construção do famoso Antonov An-225 Mriya.
Nesse contexto, os EUA e a OTAN sofreram as consequências do “efeito bumerangue” logo após o repentino sucesso do golpe “EuroMaidan” em Kiev, quando o presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, legitimou a realização do referendo separatista na Criméia, onde 96% da população daquela região manifestou o desejo de oficializar a união com a Rússia.
Na realidade, o golpe “EuroMaidan” monitorado pela Vice-Secretária de Estado norte-americana para os Assuntos Europeus, Victória Nuland, revelou a fragilidade do governo-interino de Arseniy Yatsenyuk, do momento em que sua legitimidade institucional e sua representatividade política foram, praticamente, rejeitadas em todas as regiões do leste e do sudeste da Ucrânia. Regiões que, além de serem as mais industrializadas, são povoadas por populações russófilas que almejam manter uma estreita ligação com a Federação Russa.
Por outro lado, o massacre de 48 militantes russófilos, queimados vivos em Odessa no Palácio dos Sindicatos, alimentou, ainda mais, os sentimentos separatistas em 90% das regiões do leste e sudeste ucranianos, que decidiram realizar o referendo separatista em 11 de maio, onde 83% da população foram às urnas e 95% dos votantes se expressaram em favor da separação. Um referendo realizado apesar de as tropas do governo de Kiev ameaçarem invadir as principais cidades da Ucrânia do leste, para reprimir as “manifestações dos terroristas no leste do país”.
Outro elemento que fez merecer ao presidente-interino Oleksandr Turchynov o adjetivo de “marionete da Casa Branca” foi a falsa denúncia de que o presidente Putin havia planejado a invasão do leste da Ucrânia. Declarações alarmistas que durante todo o mês de abril ocuparam muito espaço na “Grande Mídia”, permitindo ao Pentágono montar um posto de observação com 600 soldados na Estônia, enquanto a USAF fazia aterrissar 12 caças-bombardeiros F-16 na base aérea polonesa de Lask e o Comando da OTAN destinava nos países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) 15 caças-bombardeiros, fornecidos pela Força Aérea do Reino Unido (Eurofighter), da Dinamarca (F-16) e França (Mirage 2000).
É evidente que a presença de caças-bombardeiros dos EUA e da OTAN na região báltica visa acalmar os governos daquela região com a realização de um ostensivo patrulhamento aéreo ao longo das fronteiras com a Rússia. Porém, é também verdade que as patrulhas dos F-16 ou dos Mirages 2000 nunca entrarão em combate contra os SU-27 Flanker russos que, em número de 30, aterrissaram nos aeroportos militares da Bielorrússia.
Para aplacar a tensão política, o Ministério da Defesa russo, em 23 de abril, havia comunicado aos seus homólogos europeus e estadunidenses que seu exército havia concluído as manobras militares, realizadas durante um mês ao longo das regiões fronteiriças com a Ucrânia. Além disso, o ministro da Defesa russo informava pessoalmente as autoridades militares dos EUA e da OTAN que todo o contingente mobilizado nessas manobras (100.000 soldados, 25.000 tanques e cerca de 100 caças bombardeiros) já havia regressado aos seus quartéis, que se encontram há mais de 70 ou 100 quilômetros da fronteira. Mesmo assim, Barack Obama e o britânico Nick Cameron voltaram a declarar que a retirada era uma farsa e que Putin queria invadir a Ucrânia. Por isso eles queriam que a União Europeia aplicasse novas sanções, começando a dispensar a compra do gás russo, substituindo-o com o gás que os EUA produzem com a exploração dos xistos betuminosos.
Não há dúvidas de que o “efeito bumerangue” atingiu em cheio os estrategistas da CIA, visto que a maior parte dos países europeus não concorda em substituir o gás russo pelo estadunidense, sobretudo por causa do preço mais alto e das dificuldades de distribuição dos portos franceses, espanhóis e holandeses.
Em segundo lugar, Barack Obama e John Kerry contavam com a “neutralidade” do governo chinês que, contrariando as previsões dos sinólogos da Casa Branca, interveio defendendo abertamente a Rússia. De fato, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Qin Gang, advertia que o governo chinês “condenava o uso de ameaças e de sanções nas relações internacionais...”, salientando que “o governo da China acredita que as sanções não contribuem para solucionar os problemas. Pelo contrário, produzem ainda mais tensões”.



Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália, editor do programa TV “Quadrante Informativo” e colunista do "Correio da Cidadania".

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